Fábulas ao natural
Palavras-chave:
Retórica, Exempla ficta, Filosofia política, Estoicismo, Filosofia moralResumo
Este ensaio examina a égloga Basto de Sá de Miranda, assumindo que ao autor implícito dela não assentam bem as configurações do "sujeito lírico", de uso nos estudos literários, e menos ainda aquele seu correlato referencial — "indivíduo" na acepção moderna — que aí encontramos profundamente pressuposto. A égloga seria um texto humanista, na linhagem inaugurada por Valia, e o seu autor o "filósofo" ciceroniano, capaz de tornar eloqüente um saber prudencial e prático, configurado não numa linguagem especial, mas na consueto loquendi (na fala comum) onde a verdade se acharia inscrita. A égloga tenta articular temas de filosofia política e de estudos jurídicos num debate entre pastores demarcado pelo grande motivo da oposição vida activa/vida contemplativa, fazendo-se grande uso de exempla ficta, alguns ao jeito do fabulário animal. Este ensaio considera que o autor que se identifica com o pastor insociável acaba por deslocar a verdade da fala comum (as "palavras mutuadas" dissentem e o debate é inconclusivo) para a natureza ou para o cosmos, onde ela estaria evidente, porém muda ou burra, ao jeito das estrelas auto-suficientes.