INTERMATHS, VOL. 4, NO. 1 (2023), 135–145
https://doi.org/10.22481/intermaths.v4i1.11442
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Modelagem na Educação Matemática: da
formação docente à sala de Aula
Modeling in Mathematics Education: from teacher education to the
classroom
Carlos Alex Alves
a,
a
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Bauru - SP, Brasil
* Correspondência para: carlos.alex@unesp.br
Resumo: Neste artigo discutimos aspectos teórico-práticos da Modelagem Matemática na região
de inquérito da Educação Matemática, a começar refletindo sobre correntes genéricas, concepções
específicas, modos de implementação, implicações na formação de professores e sua inserção na sala de
aula. Em seguida, retomamos um projeto de modelagem e turismo local desenvolvido com estudantes
da 1ª série do Ensino Médio numa escola pública situada na cidade de Rio Tinto PB para discutir o
movimento da modelagem na formação profissional e em sala de aula. Os principais resultados desta
atividade desvelaram a mobilização de saberes que extrapolam os domínios da Matemática e ilustram a
necessidade de uma epistemologia prática da Modelagem Matemática, da formação profissional à sala
de aula. Estudos vindouros são evocados no trato de tecer relações entre saberes mobilizados numa
atividade de modelagem e a ecologia dos saberes.
Palavras-chave: Modelagem Matemática; Concepções; Formação Profissional; Práticas Escolares;
Ecologia de saberes.
Abstract: In this article we discuss theoretical and practical aspects of Mathematical Modeling in
the region of inquiry of Mathematics Education, starting by reflecting on generic currents, specific
conceptions, implementation modes, implications in teacher training and its insertion in the classroom.
Next, we resumed a modeling and local tourism project developed with first grade high school students
in a public school located in the city of Rio Tinto - PB to discuss the movement of modeling in
professional training and in the classroom. The main results of this activity revealed the mobilization
of knowledge that goes beyond the domains of mathematics and illustrate the need for a practical
epistemology of Mathematical Modeling, from professional training to the classroom. Future studies
are evoked in the treatment of weaving relationships between the knowledge mobilized in a modeling
activity and the ecology of knowledge.
keywords: Mathematical Modeling; Conceptions; Professional Training; School Practices; Ecology of
knowledges.
1 Introdução
Sob diferentes perspectivas teórico-metodológicas a Modelagem Matemática (MM) tem
se consolidado enquanto objeto de formação e pesquisa na Educação Matemática (EDM),
Recebido em: 25 outubro 2022 Aceito em: 01 junho 2023 Publicado em: 30 junho 2023
ISSN 2675-8318 ©2023 INTERMATHS. Publicado por Edições UESB. Este é um artigo de acesso aberto sob a licença CC BY 4.0.
nas práticas escolares e nas atividades profissionais de resolução de problemas. Isso
ocorre em articulação com outras áreas de conhecimento, seja no âmbito internacional
e/ou nacional.
Em sua essência, a MM é tão antiga quanto a própria Matemática, sendo percebida e
mobilizada na vida cotidiana por diversos povos primitivos e personagens na história da
ciência [
1
]. A título de exemplo, podemos mencionar os Egípcios no desenvolvimento
de modelos na Arquitetura, na Engenharia, na Trigonometria, na Geometria e na
Astronomia, Gregos como Tales de Mileto (624-546 a.C.), Pitágoras (570-495 a.C.),
Platão (427-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.), Euclides (325-265 a.C.), Aristarco de
Samos (310-230 a.C.) e Arquimedes (287-212 a.C.).
Ademais, podemos realçar personagens renascentistas-cientistas como Leonardo da
Vinci (1452-1519), Nicolau Copérnico (1473-1543), William Shakespeare (1564-1616),
Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650), Isaac Newton (1642-1727) e
Albert Einstein (1879-1955), tendo desenvolvido modelos diversos nos seus respectivos
campos de conhecimento que preconizaram revoluções e avanços científicos nos séculos
XV a XX.
Na conjuntura do século XX e início do século XXI, a MM enquanto campo de
investigação na academia e prática educacional, perpassa diferentes nuances conceituais
e pragmáticas pelos domínios da Matemática Pura, da Matemática Aplicada e, mais
recentemente, da EDM.
Desta forma, perquirimos: quais são as correntes ou tendências vinculadas a MM
enquanto objeto de pesquisa, formação e prática educacional? Quais concepções e modos
de condução/implementação ligados aos processos de MM? Quais implicações, desafios,
limitações e possibilidades são (im)postas para a formação do professor que ensina
matemática e sua prática escolar? Que saberes são mobilizados em atividades de MM e
como podem ser concebidos numa perspectiva epistemológica de ecologia dos saberes?
Sem nenhuma pretensão de esgotar e/ou apresentar respostas prontas, fechadas e
suprimidas de tantos outros significados sobre as questões supracitadas, o objetivo
principal deste artigo envolve problematizar os diferentes aspectos teórico-práticos
presentes na literatura específica que orientam a pesquisa e a prática educacional em
MM na região de Inquérito da EDM e socializar uma experiência pessoal na condução de
um projeto de modelagem e turismo local com estudantes da 1ª série do Ensino Médio
em uma escola pública situada na cidade de Rio Tinto PB.
Assim, a partir desta seção introdutória, o presente artigo está organizado em 5 seções
principais. Na segunda seção, apresenta-se um panorama das correntes ou tendências
teóricas da MM, seu marco zero enquanto campo de investigação na EDM brasileira,
suas concepções e alguns pesquisadores brasileiros que a têm como tema aglutinador ou
linha de pesquisa.
Na terceira seção, discute-se sucintamente uma experiência pessoal de modelagem e
turismo local, com ênfase na formação profissional e inserção da MM também a partir da
própria dinâmica escolar. A quarta seção contempla a questão da formação profissional
em MM, destacando a necessidade de uma epistemologia prática, para melhor qualificar
sua mobilização em sala de aula. Na quinta seção, finalizamos o texto tecendo algumas
colocações finais, seguido das referências.
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2 Algumas Perspectivas Teóricas da MM
Nas suas nuances teóricas, a MM pode ser vislumbrada em três tendências ou correntes
principais de trabalho: (i) a corrente científica; (ii) a corrente pragmática; e a corrente
ciocrítica [
2
], [
3
]. Em síntese, a primeira corrente está vinculada a Matemática Pura,
privilegia a concepção científica da Matemática e a toma como ponto de partida para o
seu ensino e desenvolvimento científico formal de seus conceitos, algoritmos e linguagens
abstratas.
A corrente pragmática se encontra enraizada na Matemática Aplicada, valorizando
a resolução de problemas aplicados em várias áreas de conhecimento, que não
Matemática, através da construção/validação de modelos matemáticos. No âmbito
escolar, a prerrogativa envolve o prestígio pelos conteúdos matemáticos aplicáveis e
úteis para o desenvolvimento da sociedade, sendo a predominância curricular por uma
matemática realística vinculada em vieses cotidianos e/ou interdisciplinares.
Por sua vez, a corrente ciocrítica em MM é amplamente desenvolvida no âmbito da
EDM, sendo a Matemática assumida também nas suas dimensões políticas, culturais e
sociais para subsidiar a formação do sujeito e potencializar sua compreensão nos debates
sociais. Nessa direção, esta corrente preza por colocar a Matemática e o próprio processo
de modelagem como ferramentas ou meios para indagação da realidade vivida pelos
sujeitos autônomos, críticos e ativos na sociedade. Dessa forma, “o que chamamos de
corrente ciocrítica de Modelagem sublinha que as atividades devem potencializar a
reflexão sobre a matemática, a própria Modelagem e seu significado social” [2, p. 05].
Cabe aqui destacar que, no tocante as correntes supracitadas, entende-se que a
questão imperativa não é eleger aquela que seja melhor em detrimento das outras, mas
compreender que elas operam e orientam a pesquisa científica, as práticas formativas e
as práticas escolares de MM em razão de seus objetivos de trabalho, agentes envolvidos
e seus contextos.
Além disso, é possível considerar que a corrente ciocrítica carrega na sua essência
aspectos das correntes científica e pragmática, ainda que sob diferentes níveis de con-
teúdos, aprendizagens, agentes, ações e contextos. Desta forma, a questão primordial a
ser posta sob análise perpassa pela seguinte interrogação: que MM interessa a EDM,
a escola, ao (futuro) professor que ensina matemática e aos estudantes da Educação
Básica? É nesse preâmbulo que a corrente ciocrítica presume um diálogo formativo e
elegível para as práticas de pesquisa, formação e atividade escolar, sendo por ela nossa
posição teórico-metodológica nos processos formativos, de ensino e de aprendizagem
matemática.
Posto isso, é igualmente importante compreender as diferentes concepções de MM que
decorrem destas macro correntes ou tendências, identificando suas divergências, tensões,
diferenças, complementariedades, antagonismos, contextos, orientações metodológicas,
objetivos de trabalho e agentes abarcados. Assim, aquele que se vale da pesquisa e/ou da
prática escolar de/com MM na EDM pode potencializar sua práxis na formação integral
do sujeito, e não meramente, que contemple um domínio específico do desenvolvimento
humano.
Nesse caminhar e de base em seu processo histórico de cristalização e consolidação
como tendência da Educação Matemática, a MM vem sendo objeto de interesse de
Carlos Alex Alves INTERMATHS, 4(1), 135145, Junho 2023 | 137
pesquisadores, educadores matemáticos e professores que ensinam matemática em
publicações de relatos de experiências, artigos, livros e trabalhos de pós-graduação ([
1
],
[
2
], [
3
], [
4
], [
5
], [
6
], [
7
], [
8
], [
9
], [
10
], [
11
], entre outros). Estes e outros autores são
amparados principalmente pelos pesquisadores Aristides Camargo Barreto, Ubiratan
D’Ambrosio e Rodney Carlos Bassanezi pioneiros em estudos e discussões envolvendo
o movimento utilitarista emergente na década de 1960.
Aristides Camargo Barreto, por exemplo, desenvolveu os primeiros trabalhos sobre
modelos matemáticos publicados em 1976 na PUC-RJ e foi representante brasileiro em
congressos internacionais. Ubiratan D’Ambrosio se configura como a grande voz da
EDM brasileira e uma das principais no cenário internacional. Sua trajetória profissional
e legado científico-acadêmico enuncia, dentre outras coisas, uma prática pedagógica
vinculada à realidade sociocultural dos estudantes, podendo o professor mobilizar
metodologias de ensino como História da Matemática, Resolução de Problemas e MM.
Rodney Carlos Bassanezi, por sua vez, coordenou cursos de formação de professores
desenvolvidos em MM a partir da década de 80, tais como um curso de pós-graduação
na Universidade Estadual de Guarapuava- PR realizado em 1982, e subsequentes Brasil
afora, a partir do ano seguinte [6].
Sobre a produção científica brasileira, o primeiro trabalho de MM como alternativa
metodológica para o ensino da Matemática situado no contexto formativo e escolar
foi a dissertação de mestrado desenvolvida por Burak [
4
]. Posteriormente, ele deu
continuidade com sua pesquisa de doutorado [
5
] em um movimento dinâmico de novas
questões, ressignificações conceituais e procedimentais em torno da MM nos processos de
ensino e aprendizagem da Matemática nos 1º e 2º graus, atualmente Educação Básica.
Sobre as concepções, ainda que nos limitemos a região de inquérito da EDM, o coletivo
de pesquisadores e seus estilos de pensamento nos põe diante de muitas Modelagens Ma-
temáticas, sendo cada uma delas subsidiada por questões de cunho filosófico, ontológico,
epistemológico, teórico e metodológico, ainda que nem todas essas dimensões estejam
explicitamente colocadas pelos pesquisadores. Além disso, temos as intersecções entre a
MM e outras tendências correntes da EDM, que também são garimpadas por definições
e construtos fundantes, como é o caso da Etnomodelagem.
Não obstante, abarcando estritamente a MM, com base numa construção apre-
sentada por Klüber e Burak [
12
], pesquisadores como Forner, Malheiros e Souza [
13
]
adotam a MM numa concepção freiriana, na direção de fomentar uma EDM libertadora,
emancipadora e humanizadora nos processos de ensino e aprendizagem da Matemática.
Rodrigues e Andrade [
14
] e Rodrigues, Brito e Gonçalves [
15
] mobilizam a MM na
Educação Básica seguindo uma concepção vinculada ao trabalho com projetos. Vertuan
[
16
] aponta uma concepção de MM vinculada aos processos cognitivos e diferentes
registros de representação semiótica dos alunos e aprendizagem de objetos matemáticos
ao longo da situação-problema investigada. Em linhas similares podemos também
mencionar Almeida e Brito [
17
] e outros trabalhos publicados pela primeira autora,
enfatizando os encaminhamentos, interações e sentidos que os estudantes realizam em
atividades de MM, além de questões da linguagem balizadas na Teoria da Atividade de
Leontiev e uma perspectiva wittgensteiniana.
Klüber [
18
], [
19
] mobiliza a MM como metodologia de ensino e aprendizagem assentada
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em questões filosóficas e epistemológicas ligadas a Fenomenologia. Araújo [
20
] mobiliza a
MM na perspectiva da Educação Matemática Crítica. Sodré [
21
] concebe e mobiliza a
MM a partir de preceitos da Didática da Matemática, tais como a Teoria Antropológica
do Didático e organizações praxeológicas.
Alves [
22
] mobiliza a MM nas teorias fundantes dos saberes docentes e formação
profissional de Tardif [
23
], enquanto um espaço de formação/desenvolvimento docente-
discente em que professores e alunos engajados colaborativamente em atividades de
MM mobilizam saberes diversos no intuito de efetivarem aprendizagens múltiplas de
saberes científicos, sociais, culturais, políticos, artísticos, poéticos, etc., imbuídos e
interdependentes das atividades elegidas para o processo de modelagem e disponibilidade
de tecnologias.
Face a pluralidade de referenciais e concepções de MM, algumas delas são mais ou
menos abertas naquilo que direcionam as ações e interações dos alunos, professores,
exploração das situações investigativas, das aprendizagens, das exigências na obtenção
de modelos, no tempo de duração das atividades etc., impactando as facetas da MM
concernentes a formação profissional, a organização curricular e aos próprios estudantes.
3 O Projeto de MM: síntese das ações e resultados
O projeto de MM, objeto deste artigo, trata-se de uma experiência pessoal desenvolvida
com estudantes de 1ª série do Ensino Médio de uma escola pública localizada na cidade
de Rio Tinto PB no ano de 2017 e foi parte constitutiva de um macroprojeto da escola
que objetivou investigar o potencial turístico da cidade em questão numa perspectiva
interdisciplinar.
Nessa direção, na disciplina de Matemática tencionamos estimar o valor de um roteiro
turístico em Rio Tinto PB a partir do seguinte problema de modelagem: Quanto custa
turistar em Rio Tinto PB? O caminhar metodológico apresentado a seguir, a partir
das etapas de MM defendidas por Biembengut e Hein [
1
], sintetiza as ações elegidas em
nosso projeto.
Quadro 1: Etapas do Projeto de MM.
Fonte: Elaborado pelo autor (2023).
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Os ambientes de aprendizagens constituintes na etapa da interação foram resultado de
propostas e negociações entre o professor e os estudantes no trato de delimitar, cativar
e oportunizar aos discentes a seleção de tópicos de interesse. Dessa forma, os estudantes
imergiram na gestão das atividades ao longo do processo de modelagem e demais tarefas
pós-modelagem.
Todo o processo pedagógico foi igualmente balizado pela corrente ciocrítica da MM
[
2
], [
3
], considerando os debates sociais, econômicos, históricos e culturais envolvendo
aspectos globais e locais e a matemática como meio para educar e compreender a
realidade.
Em linhas de resultados alcançados, cabe destacar que todas as atividades desenvolvi-
das no projeto foram realizadas em grupos de trabalho, protagonizadas pelos próprios
estudantes mediatizadas pelo professor orientador. As atividades foram operacionaliza-
das dentro e fora de sala de aula, mobilizando tecnologias diversas e desdobramentos
comunitários peculiares, tais como a participação no desfile cívico da cidade, para difusão
do projeto.
No âmbito das aprendizagens matemáticas, cada grupo de trabalho elegeu um roteiro
turístico de sua preferência, assim disparou seu processo de modelagem a fim de mensurar
a valor para turistar em Rio Tinto-PB durante um fim de semana. Ao longo do processo,
as dificuldades matemáticas emergentes foram sendo atacadas a partir de aulas específicas
sobre os respectivos conceitos e procedimentos matemáticos, em vias similares ao que
aponta Klüber e Burak [
12
] sobre o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos no
contexto do tema explorado, ao reportar as etapas de uma atividade de MM do segundo
autor.
As transformações entre medidas de capacidade e passagem dos modelos matri-
cial/modelo gráfico para o modelo algébrico foram destaque. no cunho operacional,
as dificuldades predominantes estiveram centradas no estabelecimento de contatos por
partes dos alunos com pousadas, hotéis, restaurantes próximos as demarcações indígenas
da cidade e na produções de fôlderes e logomarca das camisas, com o uso das tecnologias
digitais. Ainda assim, estas foram superadas a partir de pesquisas nas redes sociais, por
contatos das redes hoteleiras e tutoriais sobre uso de ferramentas digitais de produção
gráfica.
Em síntese, o projeto potencializou o desenvolvimento de competências e habilidades
matemáticas e de outros domínios por parte dos estudantes, para que pudessem refletir
sobre o cenário turístico de Rio Tinto PB através da MM em suas dimensões didático-
pedagógicas, políticas, econômicas e socioculturais. Também mediou o desenvolvimento
de atitudes ligadas ao mundo do trabalho, interações com a comunidade local, gestão de
conhecimento, trabalho em equipe, práticas de comunicação e apropriação de tecnologias
diversas.
Nas tarefas desenvolvidas pós-modelagem, pontuamos a prática de resolução de pro-
blemas e escrita de redação oficial em ressonância com o projeto de modelagem, turismo
local e com as avaliações de larga escala realizadas em nível nacional/estadual. Um
apanhado mais completo das atividades desenvolvidas pode ser consultado em Alves [
24
].
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4 MM: da formação profissional à sala de aula
A partir do que foi elucidado do projeto de modelagem e turismo local pontuamos
alguns aspectos relativos ao movimento da MM na formação profissional do professor
que ensina matemática, para planejar e orientar atividades de modelagem e realizar sua
inserção na sala de aula.
Sobre a escolha do tema de modelagem do projeto, embora a literatura específica
oriente que seja especialmente escolhido pelos estudantes em negociação com o professor,
em nosso caso específico ele foi resultado inicial de uma escolha macro pelo corpo
de professores e gestão escolar, visando abordar o turismo local numa perspectiva
interdisciplinar. Posteriormente, ele foi pensado, refinado e desenvolvido pelos alunos e
professor da turma.
Aqui destacamos duas questões. A primeira envolve o fato de cada escolha ter sua
dinâmica peculiar e precisar ir adiante pela colaboração de seus professores e gestão
escolar. Nesse sentido, demandas internas, como desenvolvimento de projetos específicos,
são atividades pedagógicas corriqueiras no seio escolar, e, neste sentido, a modelagem
pode emergir como uma janela de oportunidade e possibilidade pedagógica para subsidiar
os propósitos escolares e ser inserida na própria dinâmica da escola, sobretudo nas aulas
de Matemática.
Entendemos que esse entrelaçamento dispensa a um tempo inúmeros obstáculos
postulados, tais como falta de tempo, necessidade de cumprir o currículo prescrito, aulas
de curta duração para o desenvolvimento de projetos etc. [
25
], além disso, conjecturamos
que eles estejam vinculados a rigidez do sistema escolar.
Ainda assim, discursos de superação têm se materializado em diversos contextos
vivenciados na Educação Básica, a exemplo de inserir atividades de modelagem a partir
do próprio material didático adotado pela rede de ensino [26] e de vídeos digitais [27].
A segunda questão envolve um aspecto explicito sobre o fato de o professor aproveitar
essas oportunidades via MM e outro aspecto mais oculto, implícito, sensível e que
consideramos disparador nesse processo: o professor saber aproveitar essas oportunidades
via MM. Evocamos esse aspecto não para atribuir juízos de valor ao trabalho docente,
mas para realçar que a questão da formação profissional ainda é a grande responsável
pelas resistências dos professores sobre a inserção da MM na sala de aula. Logo, inferimos
que o maior obstáculo não se trata daqueles ligados a rigidez escolar, mas dos obstáculos
inerentes a formação profissional.
Assim, é preciso pensar a um tempo em futuros professores mobilizando MM
nas aulas de Matemática e uma formação profissional que possa amparar sua atuação
no chão da sala de aula em sua multicontextualidade. Nessa direção, é indispensável
uma Epistemologia Prática da MM EPMM [
22
] que esteja em ressonância com a
epistemologia da prática defendida por Tardif [
23
] ao apresentar os saberes necessários à
docência. Podemos observar essa epistemologia prática da MM no quadro 2, apresentado
a seguir.
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Quadro 2 : Epistemologia prática da MM.
Fonte: [22]
A EPMM faz referência a formação profissional do (futuro) professor que ensina
Matemática em razão da complexidade, heterogeneidade e pluralidade dos saberes
necessários à sua inserção/mobilização em sala de aula. Perquirimos: que saberes
matemáticos e de outros domínios precisam ser incorporados e desenvolvidos na formação
profissional de um professor que ensina Matemática em relação à MM, com vistas a
práticas pedagógicas significativas na Educação Básica? Qual a natureza dos saberes
mobilizados em atividades de MM?
Obviamente, estes saberes extrapolam os domínios da Matemática. Logo, os saberes de
MM se compõem de um conjunto de saberes provenientes de várias fontes e experiências
individuais/coletivas passadas/presentes, sendo saberes científicos, complexos, reflexivos,
tecnológicos, históricos, temporais, contextualizados, culturais e sociais.
Vislumbrando o quadro 1, podemos constatar o repertório de sabres envolvidos e
mobilizados no projeto de modelagem e turismo local com os agentes envolvidos em seu
contexto peculiar. Também realça a atuação profissional em atitudes de inventividade
e entrelaçamentos com a dinâmica escolar e entre a temática elegida e a disciplina de
Matemática. Como fazer isso num cenário formativo desprovido do complexus? [
28
].
Como fazê-lo sem o conhecimento da própria realidade na qual está inserida? Como
fazê-lo sem saberes sociais, culturais etc.?
Se a MM é oriunda da realidade e interpretada pela teorias e linguagens matemáticas,
assim deve ser a formação do (futuro) professor que ensina matemática e não por
causa da MM em si mesma, mas pelo fato existencial da realidade ser complexa. Por
isso, faz-se necessária “[...] uma formação profissional norteada pela epistemologia
prática da Modelagem Matemática, que esteja fincada nos contextos sociais, culturais e
interdisciplinares [...]” [22, p. 50].
Do ponto de vista do tetragrama docente-saber-modelagem-discente balizado numa
perspectiva crítica do currículo [
29
], a EPMM tenciona, sobretudo, “formar sujeitos para
atuar ativamente na sociedade e, em particular, capazes de analisar como a matemática
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é usada nos debates sociais” [3, p. 02].
Nessa direção, entendemos que numa teoria pós-crítica do currículo, ela tenciona
construir uma formação pós-colonialista balizada na ecologia dos saberes [
30
], [
31
], sendo
a escola configurada como espaço formativo e de produção de saberes [
32
], e por extensão,
a própria vivência de atividades de MM.
Conclusão
Neste artigo, buscou-se discutir algumas perspectivas teórico-práticas no cerne da
MM na EDM, fazendo entrelaçamentos com a formação profissional e sua inserção na
sala de aula, considerando uma experiência pessoal no desenvolvimento de um projeto
de modelagem e turismo local.
Sobre as perspectivas teóricas, a questão nuclear envolve perquirir qual MM interessa
à EDM. Nesse sentido, a corrente ciocrítica certamente vem sendo empregada quase
que unanimemente entre os pesquisadores, sobretudo, para sua inserção na Educação
Básica. Ainda assim, sob uma pluralidade de concepções e modos de implementação.
A retomada do projeto de modelagem e turismo local se fez oportuna principalmente
para ilustrar e atestar a questão da formação profissional e a inserção da MM em sala
de aula sem precisar necessariamente “sair” da escola, se desvencilhar da sua dinâmica
interna. Também foi possível realçar a importância de uma formação profissional para
além dos domínios da Matemática, e esperançar a MM na sala de aula, apesar dos
obstáculos e resistências correntes.
Além disso, é preciso ampliar as discussões teórico-práticas também sobre processos
pós-modelagem. Consideramos que o processo de modelagem não para na obtenção de
modelos específicos e/ou atém nas respostas emitidas para seus problemas iniciais, mas
podem ser ampliadas e corroborar com outras demandas internas da dinâmica escolar,
tais como avaliações internas e externas.
Nessa direção, pode-se inferir que realizar atividades de MM em sala de aula também é
desenvolvimento curricular. Essa ressignificação curricular pode contribuir para amenizar
as tensões entre a inserção da MM no espaço escolar face as exigências, cobranças e
metas a serem alcançadas em torno do trabalho docente. Para tanto, é preciso potenciar
processos formativos que reconheçam e qualifiquem o trabalho dos professores em torno
da dinâmica escolar, de suas atividades presentes e de situações de aprendizagem
pós-modelagem.
Como resposta-alternativa para a questão da formação profissional, a EPMM foi
lançada, ainda que de forma sintetizada, como um caminho possível para qualificar os
meios/fins formativos, o trabalho do (futuro) professor que ensina matemática via MM
na sala de aula e a formação estudantil.
Algumas questões perpassadas ao longo deste artigo podem ser retomadas em estudos
vindouros, inclusive pelos pares. Algumas delas ganham realce: o que é MM enquanto
objeto de investigação emergente da EDM? Por que MM? Como desenvolver uma
prática e/ou um projeto de/com MM no ambiente escolar? Quem são os pesquisadores
interessados neste objeto de investigação? Quais são os grupos de pesquisa que a tem
como linha de pesquisa? Qual a configuração de uma sala de aula em uma prática de
MM e o que ela pode comunicar? Quais competências aguardar dos estudantes e do
Carlos Alex Alves INTERMATHS, 4(1), 135145, Junho 2023 | 143
professor numa prática de MM?
Estas e outras questões podem ser constantemente revisitadas para que novos pontos
de luz possam emanar e subsidiar avanços nas/para pesquisas, nos/para os processos
formativos e nas/para as práticas escolares em seus diferentes níveis e contextos.
Finalmente, ainda realçamos a necessidade de clarificar possíveis relações entre a
EPMM e a epistemologia da ecologia dos saberes e quais possibilidades podem emergir
para qualificar a formação profissional em MM, sua inserção na sala de aula, abordagens
pós-críticas de currículo e estudantes pós-críticos.
ORCID
Carlos Alex Alves https://orcid.org/0000-0001-7636-9195
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Carlos Alex Alves INTERMATHS, 4(1), 135145, Junho 2023 | 145