Chamada para publicação- vol.13, n.1, 2025

2024-06-06

Literatura, Filosofia e Psicanálise: Entre-lugares, encruzilhadas, dobras

                                                       Carla Rodrigues (UFRJ)

                                                       Aryadne Araújo (UESC)

                                                       Alexandre Fernandes (IFBA)

Madame de Stael propõe uma afinidade entre poesia, filosofia e aquilo que viria, séculos afrente, se estabelecer como tema caro à psicanálise, afirmando que “a poesia melancólica é a que está mais em consonância com a filosofia” (Stael, apud Ginzburg, 2001, p. 108). Recorremos a um anacronismo na percepção da melancolia como rastro de um tempo “out of joint” – para falar com Derrida (1995) – da psicanálise ou, melhor, rastro do seu porvir que sutura a literatura à filosofia, ou, ainda, mola propulsora de uma poética do pensamento filosófico. Em prefácio à tradução brasileira do seminal Luto e melancolia, de Sigmund Freud, Maria Rita Kehl (2013) lembra que a longa tradição ocidental, que associava ao “gênio” poético o humor oscilante do melancólico – entre o extremo da sua condição e o “polo antípoda” da mania –, não havia, certamente, sido ignorada pelo criador da psicanálise na escolha desse significante para “desafiar a psiquiatria de sua época” (p. 23). Três anos após a publicação desse ensaio de 1917, em Além do princípio de prazer, Freud (2019) encontra, na epopeia romântica de Torquato Tasso, Jerusalém libertada, “a figuração poética mais comovente de semelhante traço fatídico” (Freud, 2019, p. 71) com a compulsão à repetição do trauma nos atos inconscientes do sobrevivente. Na epopeia, o herói Tancredo mata, sem saber, sua amada Clorinda disfarçada/travestida de um cavaleiro inimigo. Após esse “primeiro” sofrimento, ele se depara com sangue a jorrar da árvore que golpeia com sua espada, seguido do lamento de Clorinda, como se o corte na árvore repetisse o ferimento fatal, fazendo o trauma retornar em outro gesto. Demos um salto ao final no século XX para observar um movimento inverso –  de incursão da psicanálise no discurso literário –  na narrativa pós-moderna de D.M. Thomas, O hotel branco, em que o arquivo freudiano (cartas, hipóteses/teorias da histeria, do trauma, da sedução, da fantasia) é desviado, dissolvido e ficcionalizado na trama protagonizada por uma mulher judia que narra fantasias eróticas a seu analista, Freud, enquanto os horrores da Segunda Guerra constituem o pano de fundo da ficção. O romance, lembra-nos Linda Hutcheon (1988), desafia a leitura psicanalítica das causas do adoecimento da protagonista – que não são da ordem de um passado psíquico individual, mas de um futuro coletivo, sofrido, exemplarmente, no corpo singular de uma judia em determinado presente histórico. Nesse momento, alcançamos não somente a intersecção dos arquivos reais e ficcionais da psicanálise no discurso literário, mas somos guiados à encruzilhada do pensamento de Jacques Derrida, filósofo franco-magrebino de origem judaica, leitor de Freud, cujo interesse pela literatura se recrudesce na sua paixão pela língua, pela palavra/escrita idiomática intraduzível a-traduzir que encontra sua expressão maior no poema. Conforme o filósofo, a pergunta sobre a essência – “o que é ...?’” – do poema “chora” seu desaparecimento (Derrida, 2001, p, 116), pois, longe de portar uma essência, a escrita poética e literária se desdobra (e se dobra em torno de ‘si’) no rastro de diferença, da alteridade – o poema é o outro, o outro da prosa, da filosofia. O pensamento de Jacques Derrida também se inscreve nesse entre-lugar, nem filosófico, nem literário e, ao mesmo tempo, um e outro (e outro...). Em Béliers, o pensador franco-magrebino (2003) refaz a aliança entre a literatura, a filosofia e, ainda que laconicamente, a psicanálise – ao evocar a dicotomia freudiana do luto/melancolia na leitura do verso de Paul Celan “Die Welt ist fort, ich muss dich tragen” (O mundo está longe/acabou, eu tenho de te portar/carregar). A aliança se delineia, metonimicamente, no movimento circular de um eterno retorno, em torno da circuncisão de três corpos judeus e da circunscrição de seus corpos textuais (filosófico, poético e psicanalítico), um carregando o outro – o pensamento de Derrida que porta o verso de Celan, em volta do luto e de um certo corpus da psicanálise. Nessa introjeção do outro – literário, psicanalítico ou filosófico – e no limiar impreciso onde se confundem os discursos, vislumbramos o espaço profícuo para discussões em torno dessa aliança.

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Prazo de submissão: até 20 de março de 2025

Emissão de parecer: até 20 de maio de 2025

Publicação: até 30 de junho de 2025